O meu grito que não quer calar

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Tarde arrumando a sua despedida.

O sol , que acalma o seu dever cumprido falando de poesia com a púrpura cor da paixão, põe-se em harmonia com os desejos da tarde, iniciando o seu adormecer.

Eu,Faxineira de Ilusões ,observo a sua despedida através das pessoas que circulam pelas ruas e que se fazem ouvidas, porque gosto de escutar e silenciar...

Por que tanta tristeza nas palavras e nos olhares de tantos que por mim passam? Mulheres desencantadas, homens escondendo suas opiniões pela desesperança, infantes e jovens desencontrados acampados no vazio.

Tarde arrumando a sua despedida... Eu, Faxineira de Ilusões, olhando as pessoas, ouvindo-as e apreendendo...

Por quê?

Há tanto desânimo, tantos olhares desesperançados...

Observo todas elas que por mim passam....

Elas sobreviveram aos desanimados gritos de desejos calados e, nessa desesperança,  ainda tentaram o soerguimento na imensidão das vidas que  se esvaem de suas próprias  mãos abertas de tanto implorar...

Elas percorreram e percorrem ( ainda?) todos os caminhos da dor e da aflição, olhando os lados em busca de, pelo menos , um arbusto para seu apoio.

Mas cadê as árvores e os jardins com suas cores? Cadê os meus amores de minha aldeia que faziam feliz em minha essência de infante sonhadora?

Quero  tantas  vontades  a serem realizadas para a minha aldeia, mas como  ver extrapolar a alegria em mim se as pessoas estão tristes e pressentem perder algumas batalhas?

Por que não ouvir a resposta que muitos querem saber do que aconteceu realmente com o Menino Grande, que vi nascer,descendente da mãe Africa e que gritou tanto e vi(vimos)sua vida ser calada tão cedo?

Onde está a verdadeira homenagem com seu nome, livre de lonas e provisórias hospedagens, que ele merece? Seus gritos continuarão abafados ? Alguns canalhas que ainda percorrem  outros corredores, enriquecidos, continuarão impunes sem dedos em riste em suas frontes traidoras e desumanas ?

Alguns putrefatos passos ainda percorrem os corredores que negligenciaram aquele Menino...Travestem-se de pseudo arautos de fé, ancorados nas supostas proteções de uma sigla tão fétida quanto eles e tentam denigrir, prejudicar em nome de amparo podre; outros mostram em suas faces as marcas da bexiga moral e, loucos, continuam com idéias fixas em nome do mal.

Por que e para quê?

Cadê as mudanças? Em que cratera de minha aldeia estão escondidas?

Cadê a resposta do que aconteceu com o Menino Grande que vi nascer e vejo diariamente ser perpetuado pela saudade e pelas lágrimas de quem lhe queria bem?

Quero tanto saber..

Inútil querência!

A minha missão seria essa? Banir sonhos, quebrar vontades permitidas, jogar fora os pensamentos da alma, podar vôos e desconhecer seres alados para a minha própria sobrevivência?

Será que já acomodei a minha rotina e acostumei o meu coração aos esquecimentos, ao ser adorno, objeto de composição de ambiente, solidez de imagem,  esquecida expressão humana que teima ainda em existir?

Por que tanta tristeza, meu Deus, se minha aldeia é tão linda mesmo desamada e clama por cuidados?

Por que está sendo tão difícil ver a ausência de cores e limpeza em seus cantos e seus arredores? E cada um está tentando ,pelo menos, amá-la?

Será inútil a querência de uma faxineira que só quer romper as barreiras da realidade e voar para os sonho palpáveis?

Eu, Faxineira de ilusões, peço tão pouco...apenas ser aquela poeirinha que o sol reflete quando a janela é aberta em plena manhã chegada, réstia de luz, anúncio de claridade do dia que chega, certeza da importância em existir. Só quero o sonho real...

Quero tanto e tão pouco!

Sou Varredora daqueles sonhos deturpados , devo limpá-los para deixar espaço de todos as quimeras de bem-querer. Tenho o capricho de cravar na alma  a corajosa iniciativa de pôr as asas icarianas que não derreterá no inclemente sol e que gosta de inverno, fazendo do coração uma vontade maior, grandiosa, imensa e intensa: voar não em sonhos, mas, voar com os pés no chão.

 

Na tarde já assentada e aguardando o seu momento de descansar, tudo é silêncio. Como silenciosos são os meus pensamentos que, com  os  passos  de  retorno à casa , caminho pela rua , não querendo mais ouvir os lamentos, porque minha alma dói...

A solidão que gira em torno do meu mundo é mansa, já faz parte  de minha existência e, por incrível que  possa parecer, já é companheira e possui garras indestrutíveis.

Assustada,  vejo minha aldeia tão triste, escuto de minha alma o prenúncio de um despertar, de um desencantar, de um não-querer no ar... Entristecida,  entendo,  pois ela sempre foi respaldada por etapas, sustos, acontecimentos, sonhos encantados, asas derretidas pelo calor do desamor, do desrespeito, dos olhos fechados.

Inquieta, eu busco respostas para os meus mergulhos e lamentos de alma doída. Quem responderá aos meus prantos? Quem? Quem me dará as respostas que eu, que todos querem?

Quem  percorrerá o meu labirinto emocional e tão cheio de encantos que não quiseram enxergar?

A tarde já adormeceu e a noite já adentrou no  meu  coração .E olhando de um outro ângulo a minha aldeia tão cheia de luz artificial,tão linda porque, agora,  os maltratos estão escondidos, calo o meu pranto diante de tanta beleza.

Acomodada em minha solidão, observando a encantada visão da lua refletida em tanta água, das estrelas e de Vênus,   sussurro recados silenciosos.

Quem poderá ouvi-los a não ser a minha própria alma? Quem ?Pelo menos uma resposta. O que aconteceu com a vida do Menino Grande, descendente de mãe África, que foi calada tão cedo?

A noite já está enluarada de sono...

Faxineira de sonhos, continuo a insistir no estar acordada. Os meus pensamentos permanecem acesos, antevendo o fim das horas noturnas, a solidificação de um rompimento e a  confirmação de que a vida está findando, sentindo que é hora,  como a manhã que já chegará, de anunciar madrugadas. Penso que  também assim são a vida, o homem, os sentimentos, os amores, as palavras, as mentiras , os desamores e as ações. Obedecem ao ciclo natural: chegam e vão embora.

O sono não chega para mim que guardo as ilusões nas  gavetas afetivas, alertando-me para os bloqueios que inventaram como impedimento à plenitude dos desejos e da paixão, que dá  as mãos ao amor e ao sentimento amadurecido de seres  impossibilitados de adentrar no mundo da felicidade, por estar escuro demais.

A noite esplêndida pede companhia  e, eu, Faxineira e Varredora de sonhos de bem querer, faço-me presente porque o sono que aquietaria meus questionamentos e só a mim pertence, só a mim acarinha, só a mim enxerga, só a mim quer não adormecerá. Por isso insisto em não dormir.

Mas, mesmo assim ,  Faxineira de Ilusões, continuo a sonhar e gritar: o que aconteceu com o Menino Grande que vi nascer?

A autora Ana Virgínia Santiago é escritora, jornalista e poeta.