O último romântico de Ilhéus, por Alcides Kruschewsky

Alcides Kruschewsky
Maurício Maron

Viver como cantor em Ilhéus, não é fácil. Mas alguns artistas fazem parecer que viver de música é leve, prazeroso e cheio de felicidade. Gilberto Sena é uma grife artística da nossa cidade, daquelas noites românticas, agora tão distantes.

Gilberto tinha uma legião de amigos e admiradores que não se cansavam de ouvi-lo e aplaudi-lo, onde quer que fosse, nas serestas que cantava sem a menor cerimônia, com mais que competência, com alma e seu talento encantador.

Essa era a alma do Berro D'água, acertado desde o nome, a casa noturna que ficava ali, junto de onde hoje é o Opaba, desde quando o hotel nem sonhava existir. As pessoas faziam questão de pagar ingresso para uma noite nessa casa que mais do que época, marcou vidas. A sua voz era maviosa, sedosa, com uma quase rouquidão que acrescentava ainda mais charme às suas apresentações. Quem não tinha 18 anos, babava do lado de fora esperando uma alma amiga, prestigiada, passar a mão pela cabeça do comissariado de menores, para ter uma vezinha de ver por dentro como era, o coração da vida noturna de Ilhéus.

Quantas dores de cotovelo ele suavizou, quanta solidão foi acompanhada, quantos desabafos, quanto desatino. Quantos começaram a noitada sós e terminaram acompanhados, vivendo romances que terminavam às 4 da manhã, quando não duravam por toda a vida, nos passos de um bolero, um tango, um samba canção.

Gilberto Sena era o último representante de uma era. Puxou escola de samba, compôs, fantasiou, caiu na real, fez história. Quando se falar da história da arte de Ilhéus, um capítulo já tem título, com todo mérito. Gilberto era amigo, gentil, afetivo e muito, muito artista. Viveu disso. A seresta o contém e nela ele está contido. Num rol de grandes cantores, Gilberto era nosso orgulho.

A gente sabe que o tempo não volta, ou será que volta? Que só se vive uma vez, talvez; que a fábrica de tecidos não toca mais o seu apito, e que hoje, quase ninguém é sentimental demais... mas aquela mulher até hoje está me esperando, para beijar-me, beijar-me muito...

Quando Gilberto se foi, olhares se perderam no infinito vendo passos rodopiando no salão, naquelas noites secretas, sem fim, embalados no acalanto do "rei da seresta", num passado nem tão distante assim...

Ah, o tempo, o tempo passa, passam os segundos, os minutos, as horas, os dias passam... os anos. Às vezes a gente tem vontade de pedir ao tempo que pare. Por quê, por quê não paras relógio?

O autor Alcides Kruschewsky é comunicador e empresário