Faxineira de ilusões e suas recordações

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

 

Ela parou na praça para observar o movimento diferente  do rotineiro.

Parou e fechou os olhos na tentativa de abstrair o que via.

Dentro da alma buscou o passado precisando fazer comparações...

E  buscou, buscou,  buscou...

E chegou nas recordações.

Por onde anda aquela paisagem que foi sua companheira há tantos anos atrás? Em que beco se esconderam as pessoas que ali transitavam e davam  um colorido especial à cidade?

Cadê a marca da infância que se formou ali, dos gritos infantis,que brincou de roda, de se esconder com os marmóreos leões  e tinha a pureza de bater palmas para  a  imensa árvore, que dava limite ao histórico bar e à casa de Deus e foi derrubada?

Cadê a menina pequenina que gostava de passear ali, que sorria muito, tinha vestido pregueado, laço de fita nos longos cabelos e acreditava  que todos eram iguais ao seu mundo?

Em que instante lhe avisaram que há paradas, como as brincadeiras de “mandrake”  paralisando seus sentimentos?

Cadê a história de sua aldeia?

Cadê a memória dela?

 

Em que gaveta estão guardados os manuscritos, as fotografias, os contares de quem amou  tudo isso e não é mais  lembrado?

Em que casa estão abrigadas as imagens de tantos momentos especiais à cidade, que a dimensionaram, dando-lhe o título nobre de princesa?

Por que tanta amnésia pelos grandes feitos e pelas idéias que, brilhantes, fizeram dos construtores da cidade,  benfeitores de luz?

Cadê a memória de minha aldeia amada?

A Faxineira buscou, buscou, buscou...

Queria a essência de tudo que teve, porque sempre acreditou na evolução, em crescimento,mas, queria o eterno.

Queria a essência, a memória, a história!

Queria os sentimentos bonitos que ajudaram a constriur a sua aldeia.

 Olhou para um lado e viu  desaparecer em suas lembranças a casa que um dia foi direcionada ao ensinar e aprender, sentiu falta dos gritos de brincadeiras infantis,  da irreverência de tantos seres adolescentes que por ali passaram firmando o sonho  que um dia foi realidade de uma Dama de olhos azuis...

Olhou  para os lados e sentiu saudade de tantas saudades, de tantos quereres que se foram e , agora,descansam em mundos, que não podem ser vistos,mas sentidos e preservados por tantos.

 

Ela sentiu necessidade de caminhar e andou, andou e parou em outro espaço que fincava mais recordações.

Cadê a casa que limitava a esquina da praça dos pinheiros? Cadê a sua imagem em papel, que eterniza a sua existência, pois deu lugar  a outra construção? Cadê a praça e a sua história homenageando o homem que acreditou nos moços e escreveu sua oração?

 

Ela só queria a história, a memória e a sua aldeia querida em plena evolução!

Cadê os bancos sinuosos que faziam companhia à tímida,mas, tão rica  avenida, palco de tantas risadas, de tantos seres em plena juventude, com sonhos ainda adormecidos e, muitos, hoje  concretizados ?

Cadê a lembrança  da história de homens e mulheres que, leões e leoas, criaram clubes de serviços em prol da carência e a favor da solidariedade?

Por que não se fala mais em tantos nomes, em pessoas especiais que chegaram aqui para construir e não apenas usufruir?

Por que não dizer às crianças sobre os homens daqui e os que aqui chegaram , fizeram, edificaram  e que deixaram continuidade em seus ideais?

A Faxineira queria limpar as traições,os esquecimentos, os responsáveis pelos monumentos derrubados, os tesouros da cidade roubados...

Queria  polir para ficar mais em evidência muitos exemplos...

Quem lembra de ações voltadas para a educação de um casal do passado, dos sacrifícios de sua família em nome do amor pela comunidade, pela vontade de abrir os caminhos do aprendizado para quem precisava trabalhar, oferecendo a sua própria casa?

Por que não contar  suas historias e de tantos outros, reservas morais que  tinham olhares especiais?

 

Faxinando os pensamentos a Mulher que se nutria de ilusões  permaneceu em eterna busca...

Ela só queria a história, a memória e a sua aldeia querida em plena evolução!

 

Em que caverna estão escondidos os adormecidos e hipnotizados  seres que ela buscava para construir isso?

Queria a essência, a memória, a história!

AFaxineira retoma ao seu labor conversando com suas lembranças, suas saudades, seu coração indagador.

Vai varrendo, varrendo tanta sujeira, recolhendo tanto lixo percorrendo as ruas, com o máximo cuidado para não sofrer acidentes...quantos e tantos buracos, meu Deus!

Pelo calçadão, abraça a saudade, quantas saudades, quantas pessoas fazendo falta à Faxineira de Ilusões, que observa,de longe,  o que fizeram com suas vivências!

 

Ela só queria a história, a memória e a sua aldeia querida em plena evolução também chamadas de gratidão que remetem às construções,  eternizam contares e imortalizam as construções.

Ana Virgínia Santiago é jornalista, cronista e poeta.