A decadência das cidades – ou a revolução dos bichos

Walmir Rosário
Divulgação

Aos poucos, as cidades brasileiras estão ficando mais tristes, feias, frias, desumanas e mais inóspitas para os seus habitantes e os que, por qualquer motivo, as visitam. A cada ano que passa, as cidades perdem as características e o charme que as distinguem uma das outras, mudanças essas que geralmente acontecem para pior.

O termo que costumo utilizar para essa situação é a “brutalização”, que parece ser uma palavra pesada, mas, infelizmente, é a que acredito exprimir a realidade nua e crua, como costumam dizer os comentaristas das editorias de segurança. E é exatamente a insegurança um dos maiores problemas que afligem todos os seus moradores, sem distinção.

Os serviços públicos – cada vez mais excessos – atentam contra a humanização das cidades, e os cidadãos são obrigados a pagar taxas e impostos cada vez mais caros por serviços que não são prestados ou entregues em parte. Entre os exemplos, o saneamento básico (abastecimento de água e esgotos), coleta de lixo, pavimentação de ruas e por aí afora.

Dentre outros serviços concedidos, o transporte coletivo urbano é um dos vilões mais citados nas constantes reclamações dos usuários, que pagam passagens caras e em troca recebem um péssimo serviço. Os horários – quando existem –não são obedecidos, os veículos são de péssima qualidade – geralmente caminhões que recebem carrocerias de ônibus –, antigos e sem manutenção.

A infraestrutura dos serviços da saúde, que deveriam cuidar da vida das pessoas que a cada dia pagam novos e pesados tributos, passam a receber bem menos em troca. Não existem médicos, enfermeiros, equipamentos para exames, medicamentos nas farmácias das redes municipais e as unidades de saúde estão bastante sucateadas.

Se novas edificações públicas são construídas, a população já começa a olhar com desconfiança, pois os prazos para as obras serem entregues não são obedecidos e, em sua maioria, são abandonados pelas construtoras sob a alegação de situação economicamente desfavorável. Enquanto isso, os cidadãos têm que pagar mais tributos para que essas mesmas obras sejam concluídas.

Na educação não é diferente: em alguns lugares a merenda escolar é coisa rara e um simples biscoito, saco de pipoca e refresco passam a ser objetos de desejo de crianças desnutridas. Nem sempre o material didático é entregue no início do período letivo, possui a qualidade desejada ou atende a realidade dos alunos dessas localidades. Não quero nem abordar o uso político deles.

Ora, se a cada ano a União, estados e municípios arrecadam mais, quais os motivos de tanta penúria desses entes federativos? Um deles é a corrupção, já detectada e combatida, embora ainda não em sua plenitude. As mazelas também sofrem com a falta de planejamento e as más administrações, que não priorizam o cidadão, o contribuinte, razão da existência do estado.

Cresce a pobreza, institui-se a miséria, criam-se os programas sociais, oriundos de projetos bonitos, bem elaborados, mas que perdem a eficiência por falta do compromisso dos poderes públicos com sua execução. Carecem de uma porta de saída, para dar dignidade às pessoas que hoje se encontram em situação de situação de risco e vulnerabilidade.

Como a pessoa humana não recebe em troca os serviços a que tem direito pelos tributos que paga, observamos a criminalidade crescente nas áreas urbana e rural das diversas cidades. E aí constatamos um grande paradoxo: as pessoas que já passam por dificuldades financeiras (ou não) passam a criar animais (cachorros, cães, como queiram) para defender suas vidas e propriedades.

Observamos hoje, em cada casa, um número cada vez mais crescente desses animais, o que exige o aumento das despesas domésticas, com a alimentação, cuidados com a saúde, dentre outros mimos. Gastos esses que superam, em muito, as já combalidas finanças dos trabalhadores brasileiros, entre eles os menos favorecidos economicamente.

E a elaboração desse artigo foi fruto de observação do que acontece em várias cidades, desde a cidade baiana de Canavieiras, onde atualmente resido, até outras comunidades do Sul do país, como Joinville, em Santa Catarina. São municípios de características diferentes, mas que passaram a cultivar os mesmos hábitos.

Como costuma dizer o antropólogo e historiados Antônio Risério, as pessoas estão presas em suas próprias casas, hoje fartamente gradeadas (muros, portas e janelas). As grades, utilizadas desde os mais remotos tempos, serviam para aprisionar os malfeitores, hoje tem a serventia de aprisionar as pessoas direitas (de bem) em prédios nos quais a arquitetura não mais privilegia o bem-estar e sim a sensação de segurança.

Mas essas mudanças não foram bem-vistas pelos marginais, que não respeitam o recôndito dos nossos lares, escalando muros, quebrando grades, cortando alarmes, oferecendo veneno para os cachorros. Em Canavieiras, com os muros altos, sequer sabemos o que se passa nas ruas, diferente de Joinville, que continua com os muros baixos, sob a proteção de mais cães ferozes e barulhentos.

O autor Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado