Fragmentos, a fuga do sono e os livros

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Por ter a noite como brincalhona a impedir-me o descanso eu, Faxineira de Ilusões, divago, acalento quimeras e converso com os pensamentos até o cansaço empunhar a bandeira branca.

Procuro preservar ilusões, evitar que os sonhos sejam destruídos e jogados nos monturos que abrigam os desamores .Vivo espreitando seres que ainda acreditam em emoção para serem meus companheiros. E viajo com eles e conheço a felicidade através de suas idéias que foram abrigadas no papiro...

Desde cedo  faço  o meu trabalho. Agora é o momento de descansar,  acalentar a agonia que tomou conta do meu coração por tantas atitudes, por tantas gentes. 

Estou pensativa, querendo resposta para um momento de atenção e cuidados .

Preciso da esperança, mas não o pequeno inseto que pousou no meu computador...
-Percorro um bairro  na tarde que me recebe. 

Passo diante de uma casa onde duas Mulheres, costuram suas colchas de retalhos vitais. Uma alimentando a outra, trocando os naturais  papéis afetivos sob a diferença da faixa etária. Ambas traduzindo amizade para quem as conhece.

Quanta vivência, quantos sonhos, tantas  decepções  mas quanta esperança. Ainda.

 

Sou Faxineira... Preciso descansar. Paro diante de outra casa.
Revejo a Mulher Amiga que está na varanda da casa , talvez procurando o que nunca esteve ali mas que deve existir em outra dimensão.... 

Permite que eu entre e me escuta.
Conversamos. Sorrimos. Divagamos.

Conscientemente, ela  relembra uma vida, etérea imagem de amor e renascimento para tantas   sensações  e encantamentos e me convida a entrar num espaço mágico onde ela reanima o coração.
Um espaço , um canto de tantos contares, de tantas alegrias.
Ali naquele lugar encontramos Muitas  e Muitos...
Ela sorri e  me convida a entrar.
Explicativa, vejo a Mulher , respeitosamente, passar os dedos pelos registros de homens e mulheres abençoados que fizeram e fazem dos livros escritos,  bússolas para muitos e tantos seres ávidos de alimento anímico.


Olho a Mulher que enluarou a alma porque ouvia as encantadas histórias  do mundo infantil e agarrou com veemência o desejo de transformar  o visível em algo etéreo, através de palavras e inspiração e deixou tantas palavras  e tantos exemplos para quem quer aprender.

E aquele Homem que se multifacetou em tantos para distribuir seus encantados pensamentos atravessando o tempo e permanecendo tão atual? Ah! Emociono-me com Aquela Poeta octogenária que se libertou das amarras e, como os doces que fazia, construiu seus poemas pinceladas de mel para quem a lê.

Perco-me num imenso mundo contido naquele minúsculo cantinho e identifico, um a um a quem  Mulher me apresenta...

Como aquele Homem conseguiu desvencilhar-se de uma pedra que obstruía seu caminho e jogou no ar as estrelas de seu canto escrito? E o Outro que voou dos céus recifenses para chorar os meninos carvoeiros e bater à porta dos céus , chamar Irene  e falar-lhe da amizade com o  rei de Passárgada? 
Tantos  livros abrem-se  para a minha ânsia de querê-los  cantando acalantos para minha alma que, por momentos, precisa  esquecer a realidade que grita a todo instante.
Olho para um lado e vejo a Poetisa de olhos tristes que implorava  para armarem uma rede nas nuvens para sua paz interior, sorrio para Outra que mostrava as mãos vazias e chorava em sua terra de além-mar espancando suas dores e mágoas.


Ah! Necessito voltar depois ,ficar mais tempo, continuar o diálogo com a Mulher que sempre preenche minha solidão com seu canto e seus ( também meus ) companheiros em verso, prosa e amor!


-Preciso trabalhar, recolher a poeira debaixo dos tapetes, aspirar tudo que faz mal , lavar, lavar, lavar o que se faz poluição e enxaguar, enxaguar até que o cansaço se aconchegue na alma.

Volto ao meu labor ouvindo uma música tão familiar . Uma música que invade a sala daquela Mulher, toma meus sentidos e relembra outro mundo, o da sétima arte. Música que me acompanha em décadas e, em momentos de devaneios, me coloca no Paradiso , encantado cinema dos sonhos de todos nós.

Esta musica que invadia a sala me acompanha e coloca em mim como um sopro etéreo, a palavra  F-r-a-g-m-e-n-t-o-s!
Os momentos que estive naquele espaço foram fragmentos (re)vividos  e  que abraçaram a minh’alma. E acalmaram a minha agonia!


O que significa fragmentar? Um ato de quebrar? Algo que se multiplica em muitos? Ou o que se divide, se separa, se parte? Talvez uma vida que se renova, recebe novo sopro  abraçando a crença que um fio de esperança tem a capacidade de se agigantar, virar muletas e modificar uma situação?


F-r-a-g-m-e-n-t-o-s...
Recolho os cacos daquele espaço e formo o mosaico com os meus pensamentos e com a força da resposta que eu precisava. Esperança!

O que são os sonhos senão os fragmentos de uma vontade incontida de realidade, lampejos de alegria? 
F-r-a-g-m-e-n-t-o-s...
Eles são partículas de emoção que invadem o meu coração, porque ele não é só sístole e diástole. O meu coração reabsorve a energia do universo que me dá o privilégio do encantamento de faxinar Ilusões e leva o meu querer até onde eu quero.

Vôo para Centauros, espaireço em Vênus , fortaleço a alma cansada de tanto lutar e retorno ao meu lugar.
 Porque...sou Faxineira de Ilusões...

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia