Faxineira de Ilusões - A Mulher e a solidão em um dia de reflexão

Ana Virgínia Santiago
Reprodução

Andei por tanto tempo... Como andei! Retorno à Aldeia...

Revejo gentes, lugares...

Reencontrei a Mulher que vive em solidão... Estava diante do mar, como das outras vezes. Olhar angustiado, de buscas inexplicáveis para quem não conhece o seu mundo, ela fitava o infinito numa vontade de viagem sem retorno.

Sempre a vejo assim. Em completa sintonia com o espaço que lhe abraça no instante.

Absorta, imersa em pensamentos impenetráveis, pois, pertencentes ao seu inatingível mundo interior, ela intriga a quem convive nos esparsos momentos de companhia.

Porque sentia arder em seu ser todas as contorcidas ausências, ali estava ela querendo falar com alguém e dizer da dor da saudade e da solidão.

Dizer tantas coisas...

Falou da vida que sonhou, de todas as perdas que teve, das pessoas que amou e viu partirem cedo, de algumas que acreditou e tornaram-se decepção, de tantos momentos e palavras que a fizeram sucumbir num caos de desalentado torpor.

Também lembrou dos  muitos momentos felizes que, inesquecíveis, permeiam a sua essência, pois chegaram de pessoas especiais.

Eu vi a Mulher desnudar-se de seus temores e desamores para falar dos seus quereres guardados no coração, das lembranças que lhe fizeram impassível diante de ações retardadas, de momentos que lhe amparam para sobreviver.

O que tem aquela Mulher que olha para o infinito com ânsias de vôos longos e, ternamente, começa a falar como se estivesse num monólogo intenso e me faz aquietar e prender a respiração?

Silente, a ouço sussurrar que vive há tempos mais na fantasia do que na realidade, que dorme com os seus sonhos não-concretizados, acorda com eles, dando-lhes as mãos durante todo o dia para não sucumbir, até chegar a noite e tornar a dormir, por eles acalentada...

Vi a Mulher sorrir quando falou do tempo que acreditava na comunhão de atitudes, na confiança de seres afins, nas palavras que acreditou porque tinha a esperança na alma, enxergando-a  perpetuada em frestas iluminadas.

Reencontrei a Mulher que vive em solidão. E,, incrível, só agora começo a conhecê-la.

Ela é como tantas outras vulneráveis vidas, que seguem o destino, contrariadas e expostas à humilhação dos desejos reprimidos, dos gestos bloqueados, da anulação como seres que amam e anseiam, que sentem saudade do que não tiveram, mas sabem que existe. Estranho, mas existe.

Ela é como todas as vidas que estão fisicamente num lugar  e o pensamento voa para outro, bem longe, a buscar o que perdeu sem ter conhecido. Que sentem prazer em dormir para esquecer, pelo sono, o que lhe angustia e grita na essência: Vida, quero vida plena!

A Mulher que  eu enxergava distante e, depois de tanto tempo que não a via,  é  como todas as mulheres que passam pela mesma angústia dos temores e questionamentos, porque não são leigas...Pensam, questionam, calam, mas nunca consentem!

Ela é como tantas mulheres que vivem em completa solidão e bloqueiam suas emoções e seus desejos por terem gritos contidos e acorrentados à vida que levam...

Reencontrei  a Mulher que sente solidão olhar para o infinito e falar...Não sabendo que estava acalentando outros sonhos rasgados, emoções destruídas, desejos dizimados, quereres amordaçados...

Reencontrei e ouvi a Mulher que olhava para o mar e vomitava para o infinito todas as dores de um universo  complexo, muitas vezes incompreendido pela falta de visão e sensibilidade...

Entendi a expressão que dói, a falta que é sentida, os toques que não são presentes, as mágoas que somatizam dores diversas na fala da Mulher que reencontrei e sente solidão! 

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia