O Rosto do Brasil, por Júlio Gomes

O Rosto do Brasil
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Pode parecer difícil para nós, brasileiros de hoje, desencantados com a política e com os tristes rumos que nossa sociedade parece ter escolhido, acreditar nisso, mas é verdade: O Brasil já foi símbolo da mais pura esperança e alegria, de vida nova e feliz, para milhões de pessoas que deixaram tudo, casa, roça, parte da família ou mesmo ela toda para realizar um sonho maravilhoso: Começar vida nova no Brasil.

Lembro-me de minha avó, nascida italiana, mas brasileira por adoção, opção e sentimento, que veio para cá no início da década de 1920, quando era ainda uma simples criança, dizer-me: - Meu filho, os cartazes que faziam a propaganda do Brasil na Itália eram lindos. Mostravam uma terra sempre verde, fértil e ensolarada, da qual se aproximava o navio, exaltando o sentimento de uma vida nova!

Anos depois, já homem feito, vi um cartaz destes em um livro de História do Brasil, e lembrei-me imediatamente de minha velha avó, entre surpreso e emocionado.

Os imigrantes, sobretudo nos anos finais do Século XIX e no Século XX, tinham o sonho de “fazer a América”, como diziam entre eles naquela época, e vinham, fosse para os Estados Unidos, para o Brasil, para a Argentina ou qualquer outro país americano, pois ninguém tinha bola de cristal para saber qual país daria certo e qual iria desvirtuar-se.

Batidos pelas guerras constantes do Velho Mundo, pelas conturbações sociais e políticas, pela falta de acesso à terra para plantar e criar, pelo clima adverso, que obrigava os camponeses a permanecerem meses a fio em suas casas geladas, cercados de neve por todos os lados, consumindo tão somente o pouco que haviam conseguido plantar e colher nas estações propícias, muitos deles tomavam a difícil mas necessária decisão de deixar suas terras e famílias, e partiam em direção ao sonho americano e ao desconhecido.

Traziam na bagagem, é certo, os conceitos e também os preconceitos da época e da sociedade donde provinham. Mas traziam, acima de tudo, uma vontade imensa de trabalhar, de disputar a vida no melhor sentido desta palavra, de empregar-se, de investir, de fixarem-se para criar raízes, filhos e um futuro que imaginavam radiante as custas do próprio trabalho, duro e digno.

Foi assim que recebemos japoneses e eslavos, libaneses e portugueses, alemães e mais milhares de pessoas de outras nacionalidades, juntamente com suas famílias.

Vovó contou-me que viera da Itália e que, entre outras novidades, jamais havia visto alguém negro. Desembarcara no Rio de Janeiro, onde o pai fora trabalhar em uma fábrica em Mendes, no interior daquele estado.

Certa feita, ao ficar sozinha na humilde casa operária, da qual o pai se ausentara para o trabalho e a mãe para afazeres domésticos em locais próximos, ouviu baterem à porta. Desconfiada, lembrando-se das recomendações que a mãe lhe dera, ela, criança recém chagada ao Brasil, abriu-a cautelosamente.

A cena que veio a seguir ficaria estampada para sempre em sua alma. Ao atender viu-se diante de um menino negro, muito negro. Surpresa, de olhos arregalados, o ouviu pronunciar palavras em português, das quais ela não compreendia absolutamente nada.

O menino, percebendo que suas palavras não faziam sentido algum para a ouvinte, pegou então uma fruta no cesto e a abriu. Uma fruta verde por fora e surpreendentemente amarela por dentro, como ela nunca vira na fria Europa!

A menina ficou extasiada ao ver o menino negro, que lhe sorria com dentes brancos e perfeitos, com a manga verde e amarela próxima ao rosto feliz, sem saber que estampava na alma dela a impressão que ela carregaria consigo até os últimos dias de sua vida, como sendo a imagem mais perfeita do Brasil.

O autor Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz. e-mail: juliogomesartigos@gmail.com