A manhã de sol e a morte da borboleta

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Aqui estou, Faxineira de Ilusões, essência que sou eu e ainda se chama vida, madrugando como a manhã de domingo que já chegará  com a sua jornada extasiando a quem ainda respira e sobrevive aos combates interiores  que acontecem independente de vontade, pois chegam enluarados e enganam a alma fazendo-a uma só paixão.

Aqui tudo ainda é silêncio...

Tanto silêncio...

Como silenciosa está a minh’alma que se protege dos turbilhões  para não mais acordar um ser atônito que um dia acreditou em tqntas coisas e sequer  enxergou por pura ilusão.

Tanto silêncio, meu Deus!

Mas a madrugada que chega não amedronta.

Chega dizendo de luz! O céu agonia de tão  bonito e manda-me pitadas de estrelas em plena manhã que se iniciará como se sussurrasse ao meu coração que a esperança não é só aquele pequenino animal, frágil e belo( uma esperança!) que ,numa noite de trabalho, pousou no  meu teclado.

Ela também pode ser um sentimento revirado pelo avesso para não ser tão estúpido e inconsequente.

Tanto silêncio, meu Deus!

Os recados vão chegando... Raios de sol que invadem o meu espaço criador  inebriam os olhos de quem não tem mais nada para espreitar e constroem minúsculos pontos- réstias iluminadas- que me cegam para a beleza de uma manhã tão bonita que chegará, para meus outros eus( pessoanos?) que tentam empurrar a melancolia para longe porém, fragilizados, não podem prosseguir.

Os recados vão chegando... as imensas e amorosas migalhas de amor em forma de amizade duradoura que me provam estar viva, a presença dos meus cantantes, companheiros que festejam o ensolarado domingo .

Tantos recados chegando até mim!

Protegida pelo silêncio vejo-me diante de um fato inusitado contestando a beleza da manhã: uma borboleta pequenina entrou por minha janela, acomodou-se na parede branca destacando-se por ter o vermelho e o negro( seria recado de Stendhal?)  como domínios de sua existência.

Como num tango de Piazolla ela dança tragicamente esvaindo-se em movimentos silenciosos, dolorosos e sofridos observados apenas por mim, Faxineira de Ilusões, espectadora  que se espelha em sua dança de extermínio.

Tanto silêncio, meu Deus!

Lutar, tentar, desistir , lutar mais uma vez.

Enalteço a vida que já se finda diante de mim, a pequenina bicolor, asas fazendo movimentos lentos, quietos, lutados por uma improvável sobrevivência e recordo outras bailarinas, mulheres que morreram lentamente alçando vôos inimagináveis em sua arte e sucumbiram de amor, tristeza e paixão.

Eu-espectadora, impotente, observo o sofrimento do pequenino ser negro e rubro que traduz a angústia de não mais ter tempo para viver e me pergunto: por que escolheu o meu espaço para perecer?

De que céus terá vindo e o que aconteceu para que aquela trágica e alada bailarina fizesse os seus últimos gestos diante de mim que me vejo em seu contorcido esforço para continuar voando?

 Uma borboleta rubro negra chegou em minha janela contrastando com o sol como uma lição de vida.

Uma borboleta que desistiu de ser guerreira executando o seu vôo derradeiro  numa lenta queda de asas negras manchadas de vermelho...

Lutar, tentar, persistir, descansar!

 Eu-espectadora, silenciosa como a minh’alma( mesmo que salpicada de estrelas em pleno dia amanhecendo) observo a pequenina bailarina cair, cair, cair e, solenemente, adormecer em paz. Enfim!

Tanto silêncio, meu Deus!

Reverenciando aquele momento que tanto me ensinou, acolho a pequenina borboleta com as mãos em concha e aguardo numa caixinha de música, como um amuleto, a bailarina que entrou por minha janela, acomodou-se na parece branca e, como num tango de Piazzola , dançou tragicamente  esvaindo-se em movimentos silenciosos, dolorosos e sofridos para eternizar o seu sono.

Era tanto silêncio, meu Deus!