A chuva e seus mistérios

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

A chuva chega com seus mistérios.

Silencia muitos passos. Acovarda algumas coragens.

Daqui de um pedacinho da aldeia que me abriga  eu, Faxineira de Ilusões, a observo seguindo seu roteiro quando chega ao chão.

Cai e se multiplica...

Cai  e finaliza a sua missão de regar a terra criando aquele bonito elo de abraçar, misturar, e interligar movimentos de rios que se encontrarão e serão mar adiante...

Eu a contemplo aplaudindo a natureza dando as suas lições e penso como seria fácil   para a humanidade -  que tem alma e  emoções – fazer o mesmo: abraçar, misturar desejos, corpos, sentimentos, idéias ,interligar pensamentos  e fazer movimentos para, então, encontrar plenitude de vida e de amor.

A chuva traz com ela um mistério infiltrando nas casas e nos pensamentos o passe mágico que acende todos os ânimos e almas que acreditam no amor e na paixão.

Ela é poderosa. Algumas vezes traz o medo, a apreensão  pelos perigos , mas também  cativa as vontades de aconchegos .

Pacifica as turbulências do coração induzindo  à reflexão, estimulando as quimeras, aquietando  vozes, impondo silêncios porque aguça os sentimentos  e dá asas à tormentosa censura de atos e reflexos...

Talvez por seu poder emanado dos deuses ela  coloca diante de mim recordações de tantas pessoas que a temem, que a reflete na aridez de suas vidas vagando por entre mundos-não visualizados buscando explicações para o não-ser.

A chuva chega com seus mistérios.

Silencia muitos passos. Acovarda algumas coragens.

Ela pode trazer consigo a melancolia- a instigante irmã faceira da dor que traz lembranças malditas de desrespeito e desamor e ou saudades aceleradas e incontidas das gentes que nos aprisionam lindamente pelos sentimentos de bem querer e paixão.

A chuva chega avisando a sua força.

Eu, Faxineira de Ilusões, continuo a observá-la e aprisiono pensamentos que me chegam pela quietude da água que cai e  insiste em sua permanência querendo sobrepujar os encantamentos que me dão felizes e eternos quereres.

Então por que a descrença retorna à sua casa- a minha alma, eterno santuário de tantas dores maceradas, de tantos pedidos sufocados  que não saem do coração?

Que poder  vem da água que , perseverante, cai e com intensa vontade de abraçar, misturar e encontrar ,sob a forma da chuva, faz redemoinhos em minha mente e morada de paradoxos?

A chuva chega com seus mistérios.

Silencia muitos passos.

Acovarda algumas coragens.

Ela insiste em abrir o espaço do discernimento que os meus sentidos teimosos não querem perceber através de cada gota (ou lágrimas dos anjos?)que cai.

Este penetrante silêncio- ah, os silêncios!  - me diz tantas coisas...

Pode ser companheiro da nostalgia intensa, palpitante e enraigada no profundo sentimento de solidão que acompanha tantas gentes desta minha aldeia. Pode ser acalanto para adormecer as belas vontades de amor que não possuem a  idealizada varinha mágica  que joga moedinhas na fonte dos desejos...

Eu a observo.

Insistente e potente na sua tarefa de  abraçar, misturar, encontrar...

Eu a admiro pois a enxergo com mais outra tarefa, um sopro de alerta, com uma mágica e misteriosa trajetória de  também ser uma faxineira limpando prantos escondidos, dissolvendo insuportáveis vácuos, fraturando as mãos abertas indevidamente para quem não as merecem no acolhimento, dilacerar os braços estendidos desavisados do desamor, execrar todos os sonhos amontoando—os ao chão como um metafórico recado à Enluarada Faxineira sussurrando em seus ouvidos para ir devagar... a Faxineira que tem esperanças e abraça sonhos, polindo sorrisos, varrendo indignidades que sujam qualquer coração.

A chuva chega com seus mistérios...