A reposição de energias

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

A tarde já assentou esperando o momento de descansar e, com pincéis , colorindo a sua despedida. É a chamada para a noite, de mansinho chegar... Tudo é silêncio, como silenciosas estão as pessoas que aguardam este momento. E tudo é tão bonito que dá até vontade de aplaudir. Ali ,diante do rio que foi memória através da música para um Menino Encantado, pessoas embalam suas emoções para o rotineiro espetáculo do sol se por.Tudo tão igual e tão diferente.Assim como são diferentes as vidas de quem está diante da beleza natural. Eu, habituada a caminhar sozinha pelas ruas de minha aldeia, não domo o medo do estar só sentindo fome de multidão, de ouvir sons( não os desrespeitosos ruídos de vizinhos e seus costumeiros barulhos) agradáveis à alma, de erguer os braços sob a forma de rendição. Eu, Faxineira de Ilusões, varro todos os receios, utilizo o antigo espanador para mandar para longe as angústias, as vontades impossíveis e observo,sem pré avaliações e observo algumas pessoas. A Mulher que aperta o terço nas mãos como se estivesse impedindo que sua é fuja, um dia conheceu e viveu o “ glamour” de uma época.Parada , espera. Sente saudades? Arrepende-se de alguns momentos? Ou agradece o estar viva?! E o Homem que agora enxerga mais a alma das pessoas? O que busca sentado diante do que já viu? Observo e penso. Varrer, lavar, polir...É preciso higienizar alguns pensamentos.Sacudir a indgnidade de um outro Homem que cultiva a ação traiçoeira tão perto de quem lhe deu as mãos para o impulso de levantar e prosseguir... Observo e exerço a auto censura para a minha indignação não gritar. Como tudo é efêmero e as pessoas apegam-se ou são atraídas ao que menos importa na vida!

A tarde já assentou esperando o momento de descansar e, com pincéis , colorindo a sua despedida. É a chamada para a noite, de mansinho, chegar... O rápido momento repetido todos os dias,de deitar-se para uma nova chegada, como um recado de amor da tarde para o anoitecer, acaba. Agora a noite inicia a sua missão : existir para , horas depois, adormecer e acordar o dia. Tudo numa sucessão divina que amparam nossas existências. Paro para bem enxergar...e vejo! As pessoas que ali estão depositam suas emoções na potência da natureza ,umas, talvez, para demarcarem seus passos diante de indecisões,algumas banindo o esquecimento das dores anímicas e das saudades eternizadas no coracão. Outras para concluirem ações futuras que serão ( ou não) as portas abertas para uma nova vida. Todas, enfim, com suas solidões profundas guardadas, escondidas, dilacerando a vida que é tão rápida e seus projetos para o amanhã. Passeio entre as ruas e,diante de uma casa vejo a porta aberta. Paro diante dela e revejo Uma Mulher, que já conheço e que, comigo, anda pelos labirintos emocionais das escrituras e sons que alimentam a nossa alma. Somos feitas da mesma idéia, semeando a doce vontade do burilar conhecimento para crescer, regando todas as semelhanças anímicas que fortalecem a vida e nos fazem tirar, pela fé e a ânsia de aprender, as flores e os frutos da existência. Ali naquela casa muitas vezes eu descanso do meu labor. Exatamente num cantinho que nos abre horizontes de expectativa eu peço permissão para viajar ,banindo todas as dores, todas as saudades que meu coracão me cobra, quebrando as amarras da proibição de sonhos e de nuvens,tão necessários à construção humana. Sim, é preciso sonhar! Ali naquele canto especial visito o mundo de uma mulher que, enigmática, sempre questionou o motivo de escrever, deixando para tantas gentes de tantas aldeias a beleza de suas perguntas e suas palavras passeiam por mundos.... Nele eu posso ler um homem multifacetado em tantos homens que,por ser tão grande no manusear as palavras, precisou parir outros homens dentro ele, para eternizar sua grandiosa obra. Aquele espaço que dá condições, também, à ludicidade causa-me espanto diante dele , tão pequeno,como se estivesse visitando a obra de Yayoi Kusama, acreditando-me numa dimensão grandiosa . Ali na quele espaço não encontro as bolinhas da genial e esquisofrênica mente da japonesa de 83 anos, mas um colorido reverenciando a pintora mexicana e o fascinante mundo das idéias e dos sons, trançado, pelos talentos de cada a um e seus pensamentos diversos.

A noite normalizou a sua chegada. A tarde trouxe para mim tantos cantos para limpar. Incompreensões, bruscas atitudes, lampejos afetivos, palavras amigas. Tudo sendo arrumado para que o equilíbrio de meu labor fique estabilizado. Diante de um fenônemo que vejo todos os dias, a calmaria chega dentro de mim naquele espaço que Uma Mulher abre todas as vezes que passo e paro diante de sua porta. Por tudo que encontro naquele mundo encantado, que dá licença para a fantasia (até para quem já ultrapassou etapas da vida) eu reenergizo a mente e cato todos os farrapos de ilusões que, corajosa, ainda teimo em cultivar para semear como uma Varredora de Sonhos. Uma sonhadora impulsiva no querer armazenar todas as quimeras mesmo que , utopicamente, me vejo amputada no meu cantar a vida, fraquejando, em alguns momentos,mas saciando a fome em cada pensamento, em cada som que me presenteio neste espaço, um canto especial de enriquecimento e amparo emocional.

A noite normalizou a sua chegada. Silenciosamente, reverenciando aquele lugar, vou juntando e guardando os pensamentos, os desejos, as ânsias e temores que, inevitavelmente, me levariam a uma possível queda abismal para respirar profundamente e sentir a minha alma colorida, numa viagem sem os artificios que aniquilam, mas numa transposicão para um mundo tão bonito e bem explicado por cada ser especial que estão vivos dentro daquele espaço e são eternos porque a arte vive no infinito.

A noite já está em sua total expansão de silêncios e convites. Adormecer, ficar acordado, fazer escolhas certas e ou erradas,sonhar, criar, viver. Eu, Faxineira de Ilusões, fecho a porta daquele lugar sagrado para minha vida e sinto a alegria numa dimensão maior porque o meu coração foi faxinado e transborda de amor na espera de um Menino Encantado, que, através da música, fez do rio a memória de sua vida.

A autora Ana Virgínia Santiago é cronista, jornalista, poeta e articulista no sul da Bahia