Encontros da Faxineira de Ilusões II

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Passeio para os meus reencontros. Preciso rever as minhas gentes...

Fico observando o rio que passa por minha aldeia...

O sol, que acalma o seu dever cumprido falando de poesia com a púrpura cor da paixão, já harmonizou com os desejos da tarde e inicia o seu adormecer.

Procuro os encantos de minha aldeia tão importantes à minha vida.  Volto ao lugar que me viu passar etapas.

Vejo, de longe, uma outra vida, Senhora  que fez parte da rotina do meu  mundo infante. Não tem mais a tranquilidade do sentar-se na porta de sua casa, à tardinha, porque lhe roubaram a segurança. Agora não tem mais os amigos que ali descansavam e, juntos, saudavam quem por eles passavam. Todos conhecidos, muitos com laços afetivo de geracões... 

Eu, Faxineira de Ilusões, a vejo de longe...

Por que tanta tristeza no olhar Daquela Senhora? Parece que sobreviveu aos desanimados gritos de desejos calados e, nessa desesperança,  ainda tentou reerguer-se na imensidão de uma vida que  se esvaiu de suas mãos abertas de tanto implorar...

Percorreu todos os caminhos da dor e da aflição, olhando os lados em busca de um arbusto para se apoiar.

Inútil querência!

A sua missão sempre foi essa, banir sonhos, quebrar vontades permitidas, jogar fora os pensamentos da alma, podar vôos e desconhecer seres alados.

A Senhora está triste ou sempre foi triste e, menina, nunca a enxerguei assim?

Conversamos e, sem perguntas, a Senhora me diz que já está acostumada ao esquecimento, ao ser adorno, objeto de composição de ambiente, solidez de imagem,  esquecida expressão humana teimando ainda em existir... Apascentou sua solidão na rotineira vida de, à tardinha, sentar, conversar e recordar...

Converso com ELA. Digo de minhas lembranças , das saudades de nossas “prosas”, da flor tirada de seu jardim e que me dava, com o sorriso mais terno que eu ganhava e da delicadeza quando me elogiava.

Cadê  a Senhora  que não enxergo mais?!

Voltei à minha aldeia em busca de reminiscências que alimentam o meu coração.

Também eu, Faxineira de ilusões, peço tão pouco...apenas ser aquela poeirinha que o sol reflete quando a janela é aberta em plena manhã chegada, réstia de luz, anúncio de claridade do dia que chega, certeza da importância em existir.

Quero tanto e tão pouco! Tenho o capricho de cravar na alma  a corajosa iniciativa de pôr as asas como o filho de Dédalo quando quis deixar Creta.

Tão pouco! Sou aquela que gosta de inverno , fazendo do coração uma vontade maior, grandiosa, imensa e intensa: voar não em sonhos, mas, voar com os pés no chão sem o temor do sol derreter as asas de cera que estão presas às minhas quimeras.

Ando e paro diante do mar que sempre teve o poder de tranquilizar os meus pensamentos...

A tarde já está assentada , aguardando o seu momento de descansar . Tudo é silêncio. E a hora alerta para um momento em que muitos sentem tristeza e ouve o sacro  louvor a uma Senhora Nossa que tanto nos guia.

Tudo é silêncio, como silenciosos são os meus pensamentos que, com  os  passos  de  retorno à casa , caminho pela rua .

Às vezes,  amendronto-me em estar naquele lugar, mas domo o medo. Não posso recuar diante de minhas lembranças.

Vejo o movimento romper o silêncio da  noite que chegou e alertar os inúmeros pensares endiabrados que exigem acão.

Gritos, algazarra, jovens que desconhecem os limites. Jovens que sairam de um espaço de conhecimentos e vomitam desrespeitos ...

Eu, Faxineira de Ilusões, sinto  medo.

Preciso abraçá-lo para que a fome de multidão em meu eu não corroa a alma, aprendendo a ser submissão com ele. Para o  medo, eu levantei os braços em sinal de rendição. E varri os meus estúpidos receios de não poder estar só.

Tem momentos em que é preciso se ser corajosa, mesmo que fragilizada... E enfrento meus demônios das saudades...

Passo diante de casas que não mais existem e que foram importantes em meu passado. Busco pessoas que hoje estão em outros céus. Todavia o desejo de exorcizar tudo que me angustia acorda para a condição atual de ultrapassar sonhos e acalentar verdades.

A solidão que gira em torno do meu mundo é mansa, já faz parte  de minha existência e já é companheira..

Assustada,  escuto de minha alma o prenúncio de um despertar, de um desencantar, de um não-querer, no ar...

A minha infiancia inexistiu ou alcançou um outro estágio que me permite questionar?

Ando e paro diante de uma casa que foi Ninho... Nem uma varanda habitada, nem um boa noite! Um ninho com poucos preenchimentos  e que se faz lembrar mais e mais  e rodopia com a saudade porque daqui a pouco   é advento...

Inquieta, eu busco respostas para os meus mergulhos e lamentos de alma doída, saudosa e triste. Quem responderá aos meus prantos? Quem?

Quem  percorrerá o meu labirinto emocional e tão cheio de encantos que não enxergam mais o que não mais está?

A noite já adentrou no  meu  coração . Preenche a minha fome de querências absurdas,pois impossíveis.

Acomoda a minha solidão que observa a encantada visão da lua, das estrelas e de Vênus. E   sussurro recados silenciosos.

Quem poderá ouvi-los a não ser a minha própria alma? Quem ?

A noite já está enluarada de sono...  É preciso descansar, repor energias.

Retornei à minha aldeia exatamente para reenergizar o meu coracão.

É cedo para adormecer... Mentalmente entro no Ninho... Tudo tão vazio, tão sem pessoas!

Eu, Faxineira de sonhos, continuo a insistir no estar acordada.

O sono não chega para mim que guardo as ilusões nas  gavetas afetivas. Alerta-me para os bloqueios,  para os cuidados  com os passos seguintes.

Encantada pela irreal vontade de sobrevoar outros espaços,  paro para  entender as ausências que Aquela Senhora , sentada em sua porta, me fez recordar.

Viro caracol para envolver-me em esperanças, embalo os meus sentimentos guardando todas as palavras que poderiam ser ditas e nunca quiseram ouvi-las, sentindo, embora na noite, o meu sol interior brilhar , que só a mim pertence, só a mim acarinha, só a mim enxerga, só a mim quer. E insisto em não dormir porque retornei à minha aldeia em busca de alimento para a minh’alma.

A chuva adentra com o seu mistério, dizendo de presença. Poderosa, ela chega e mostra sua força.

Observo-a da varanda quando chega ao chão...Ela cai e finaliza a sua missão, criando aquele bonito elo de abraçar, misturar, interligar movimentos de rios que se encontrarão e serão mar mais adiante...  Mesmo na noite que chegou vejo como o rio que passa em miha aldeia está maltratado...Pensativa, sonhadora vejo a natureza dando as suas lições e penso como seria fácil para os homens, que têm alma, emoções e uma mente fantástica, fazerem o mesmo...abraçar, misturar desejos, corpos, sentimentos, idéias, interligar pensamentos e fazer movimentos para encontrar plenitude de vida e de amor.

A chuva traz recordações...

Ela traz o seu mistério, entrando em nossas casas e nossos espíritos e pede aconchego.

Quantos sonhos com asas feitas com a cera que enganou o filho de Dédalo!

Quanto desconhecimento do poder do sol, que não vê nada nem ninguém que queira descansar...

A chuva traz a melancolia, irmã  faceira da dor, e, com elas, as lembranças malditas do desrespeito e desamor. Em mim, a certeza de minha aldeia maltratada, desamada e desanimada.

Por que a tristeza do olhar daquela Senhora-de-que-não-via-mais-nada incomodou tanto a mim, Faxineira ?

Por que a descrença retorna à sua casa – a minha alma! – vendo o ninho vazio, tantos silêncios  e tantas cadeiras vazias?

Eu, sonhadora e amarga Faxineira,  escuto  o meu coração, santuário de tantas dores maceradas, de tantos pedidos sufocados e de mágoas que não saem do coração e tento encontrar alguém que me diga presença.

Nada me responde.

A noite chegou  com a chuva , que modifica o  meu pensamento.

Preciso voltar, descansar, passear pelo infinito de minhas quimeras.

Por que o aplauso pela destruição de minha aldeia tanto incomoda ao meu ser?

Sinto saudades de pessoas, de datas especiais, de momentos que não esqueço.Os sentimentos, esperanças e encantos, estão buscando  sempre aconchego em minha essência .Porém, como abraçar e acalentar se encontrei o ninho vazio?

Por que a tristezado  olhar daquela Senhora-de-que-não-via-mais--nada incomodou tanto a mim, Faxineira ?

Serão deuses que sempre apontam a sua ira para os corações e impunham armas divinizadas em direção certeira aos sentimentos?

Não posso nem devo acreditar....  Preciso fortalecer a minha fome de reencontos. Conheço habitantes de Vênus... !

A chuva insiste em abrir o espaço do discernimento que os meus sentidos teimosos não querem perceber , através de  cada  gota  (ou lágrimas dos anjos? ) que cai .

Este penetrante silêncio que me angustia, só é violado pelo barulho da natureza  gritando a sua força, desafiando -com os trovões- as petulantes vidas que se acreditam em olimpos...

Este silêncio em torno de mim diz muitas coisas  contradizendo o rompante dos céus... É acalanto para adormecer as belas vontades de amor que não possuem a varinha mágica e que pedem tão pouco, como uma moedinha na fonte dos desejos, apenas um desejo realizado.

A chuva é presença não permitindo que eu,  Faxineira de Ilusões, varra os meus temores e possa sonhar com a possibilidade de, com o pensamento, preencher as lacunas expostas pelo destino, insistentes, insuportáveis vácuos que gritam a vontade de realizar, pelo menos um só querer, ressuscitar pelo menos uma saudade.

Ela simboliza a misteriosa trajetória  e o desafio de esquecer Aquela Senhora que se tornou triste  e me levou ao caos das saudades.

A chuva  lembra-me que posso ser uma enluarada Faxineira, que sempre teve esperanças em abraçar as ilusões  e sonhar, sonhar, sonhar.

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, cronista, escritora e poeta no sul da Bahia.