Encontro da Faxineira de Ilusões I

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Retorno à minha aldeia após um descanso necessário.

Inicio a minha chegada com a rotina de rever todas as gentes e todos os meus quereres deste lugar que faziam falta ao meu dia a dia resgatando as saudades que, insistentes, brincavam de esconder com a necessidade  premente de alguns esquecimentos.

Porque precisava respirar novos ares, apascentar minhas querências, conhecer novas pessoas parti e viajei e voei por outros cantos, outros arredores, outros caminhos e, pasma, constatei que, por causa do amor, apesar de estar em outros cantões, permaneci no mesmo lugar, em minha aldeia que me anima e também me entristece, mas que amo e choro as suas  mágoas...

Retorno à minha aldeia. Aos meus (re)encontros  necessários à minha essência.

A saudade que latejava o meu pensamento fortalecendo com ânsia de retorno às minhas origens, fez com que eu viajasse de volta aos meus afins que tanto me fazem bem, aos amigos que me lembram infância e aos queridos que me oferecem novas  amizades, às buscas daquelas janelas que se ordenavam pelas ruas com suas figuras humanas inesquecíveis mesmo não as encontrando mais (muitas substituídas por novas construções), porém  pessoas que, no momento, se materializam em minha mente e me fazem chorar.

De saudade que faz bem.

De recordações queridas.

De lembranças simples  e bonitas que me alegram.  E , por causa delas, imagens vão sendo, em mim, somatizadas executando a mágica de quem tem coragem e gosta de sonhar. E  sonho e revejo todos os passos que voltei para resgatar.

E viajo na mente e vislumbro aquela Senhora que se debruçava na janela, cabelos já encanecidos pela labuta de mulher sozinha com suas responsabilidades, abria seu sorriso de pureza e bem querer e conversava, perguntando pelos entes daquela Menina que semanalmente passava por sua porta indo buscar o progresso do seu dedilhar.  Ela, a Menina que, com cabelos molhados, passava por sua porta em direção às aulas de piano. Parava, sorria e caminhava  pelo seu rotineiro compromisso, feliz, ainda sem o perigo da violência que nos acompanha agora, e seguia seu roteiro, sorrindo, cumprimentando os vizinhos que adornavam aquelas janelas ou  portas, todos com suas histórias que ficaram marcadas no coração da Menina.

Um corredor de janelas, portas, baixos muros que se enfileiravam como uma grande família e que fazia da mente dela um universo encantado dos contares de história.

E lá ia ela, Menina a buscar conhecimentos pelas notas, minuetos e solfejos que faziam maravilhas em seu mundo de fantasias porque lhe ensinaram o sonhar. Como é possível sete notas criarem um turbilhão de emoções, parindo partituras e partituras e serem transformadas em música?

A poesia  fortalecia as quimeras?

A música solidificava tudo que se permitia sonhar e realizar?

Retorno à minha aldeia em busca de (re) encontros.

Paro diante de uma casa e ergo os olhos para uma varanda que emitia sons inconfundíveis. Hoje é uma simples varanda... Antes emitia sons que traduziam a alma de uma Mulher, bela em sua figura, pele de porcelana, andar altivo e que tinha guardado na alma o amor pela música. E quando tocava era com com tanta transparência que desnudava sua alma fazendo com que Outra Mulher (que as afinidades e viveres as uniram) em seus arredores parava identificando o seu estado de espírito. E a Outra Mulher pensava alto e parava, muitas vezes indo ao seu encontro, para escutar o que a Mulher tocava porque sabia que eram os  seus sonhos bailando, seus poemas silenciosos gritando o seu afeto pela doce arte e pela vontade de permanecer etérea misturando-se com a música, tornando-se una.  A Mulher que fazia do em seu instrumento o alazão branco que a fazia voar..

São estas recordações que me empurram para redescobrir o que me dá saudades.

E ando e busco e canso, por momentos..

Nada encontro do que coloriu a vida da Menina que passava por um corredor de janelas, portas, baixos muros que se enfileiravam como uma grande família e que fazia da mente dela um  universo encantado dos contares de história.

As vidas que povoaram sua essência agora estão em outros céus, as árvores que enfeitavam os passeios pereceram pela insensatez política e a identidade de muitas ruas foram dizimadas.

Retorno à minha aldeia, aos meus (re)encontros  necessários à minha essência.

Por persistência.

Por amor à querida aldeia.

Revejo construções revestidas, moradores reconstruindo uma história que desconhecem invalidando o que foi fincado com outros pensamentos.

Preciso parar. Visitar salas, buscar fotos, perscrutar seus contares, reviver a declaração de amor que desbravadores sonharam e fizeram.

Alguns, sob rastros vermelhos. Inúmeros pelo amor ao segundo amor de moradia.

Necessito revisitar a história de minha aldeia e os contares fantasiosos sobre ela. Preciso desencantar a idolatria de alguns que sujam os passos de quem, outrora, caminhou por ela.

Retorno à minha aldeia de infinitas  lembranças e por isso  traço os (re) encontros.

Para a minha própria existência , para o meu encantado ser que  ainda acredita em sonhos e vislumbra luzes  rasgando o negror que atualmente  a enfeia.

Porque quero a minha aldeia de volta!