A chuva e a dor da Faxineira de Ilusões

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Lá está Ela!

Olhando para nenhum lugar. Com o pensamento como se estivesse querendo pedir emprestada a vassoura mágica que se transforma em sonhos  e até num indômito corcel...

Chuva fina, mas com uma temperatura amena.

Fim de tarde, início de noite mudando de humor.

A praça parece que entristeceu com o cinza tomando lugar do entardecer que encanta,não só pelo alvoroço das maritacas que sobrevoam, descansam e repousam nas árvores daquele lugar, mas pela beleza da hora que sempre nos chama à reflexão.

Lá está Ela! A Faxineira de Ilusões!

De longe observo que ela tem o olhar vago e parece desamparada.

O que pensa? Para onde viaja mesmo parada no mesmo lugar?

Chuva fininha que parece acompanhar a tristeza que vejo em seus olhos.

Ela, a Faxineira de Ilusões, a Varredora de Sonhos!

O que a aflige?

Ela faz um gesto que parece estar com  frio. Mas não só o frio que o corpo sente. O frio da silenciosa alma que atenta para a vida e para a morte...  O frio que aguarda o sim ou o não...

O que tem a Faxineira que  não  termina o seu rotineiro labor?

Lá está Ela, como o  dia percorrendo o seu caminho e a solidão insistindo em permanecer, mas uma solidão calma, sem rumores nem lamentos...Solidão em seu estado natural porque há uma mensagem de alerta no ar. A solidão que todos temem um dia. Aquela do sim  ou do não...

E a chuva insistente e benfazeja vai seguindo a sua trajetória.Chuva  fininha, mas anunciando que pode ser  a transformação em problemas diversos para a aldeia.

Chuva que  pede silêncio e apreensão.

Temo aproximar-me Dela tamanha abstracão em seu espírito em repouso sob olhos em permanente vigília...

A chuva pode dar as mãos ao terreno , que é frágil! A minha aldeia fica em vigília.

Pessoas correm, algumas buscam abrigo nas portas, nas ruelas, nos espaços cobertos.

Mas Ela , a Faxineira,permanece no mesmo lugar.

O que ela está pensando para deixar a sua tarefa de ser esperança para todos nós?

Temo questionar a sua presença estática até que Ela me vê e se aproxima de mim.

Esá cansada.. sente frio... Como se lesse meus pensamentos me diz que quer voltar para polir as estrelas e espanar para bem longe  a angústia que está no ar.

Seu pensamento está voltado para um lugar onde tudo é silêncio e alguns olhos observam e tentam descobrir,  perscrutar, inquirir o que será que está errado.

Onde olhos e mãos humanos que, por horas, são divinizados pelo trabalho que esolheram, colocando o conhecimento e a solidariedade em nome da vida, estão agindo.

Olho para Ela e a vejo diferente.

Com a tristeza já vista em momentos de dor e saudades. Ela, neste momento, uma Faxineira  com as mãos maceradas de ausências, toda encharcada pela chuva que se intensifica e pelas coisas tristes que a abatem. Uma silenciosa e tão explicativa imagem da apreensão do que poderá acontecer.

Ela, A Faxineira aturdida pelo pensamento que está longe, em outro lugar, que aguarda o sim ou o não...

A chuva permanece lavando as ruas, muitas, sujas pelo desrespeito e falta de educação de quem mora na minha aldeia...

A chuva que  sempre entristece quem está incansável na espera  nos faz buscar abrigo. E conversamos  e hoje constato que a mulher- que limpa sonhos e aspira recordações para não perecerem, está triste!

E como se ela aguardasse por isso a aconselho a sonhar e  voar para outros  céus buscando alimento anímico e restabelecimento de emoções.

Peço que ela vá para além de tudo que a esteja maltratando, que vá  para o firmamento onde pode sorrir com os Cruzeiros, acariciar as Ursas, passear com outras luminárias que lhe darão caminhos limpos para arejar seus pensamentos.

Peço-lhe que viaje até o Zodíaco do Extremo Oriente, colha punhados de estrelas e nuvens benfazejas iluminando aqueles olhos  e mãos humanos que, no lugar que é silêncio, se tornam divinizados pela escolha de salvar vidas, investigando, perscrutando, inquirindo o que está errado. Que pode nos dar o sim ou o não...

Agora a chuva permanece calma com temperatura amena.

Afastando o calor não dá mais frio nas  gentes de minha aldeia. Nem Nela!

Como a utopia que alimenta a minha amiga veja um lampejo de alegria e esperança nos seus olhos e a escuta falar: Tem razão, não busco encantos, reviro os lamentos e espano os lampejos de dor? Não tenho a capacidade de sonhar? Sou uma Faxineira de Ilusões!

E a reencontro com a sua forma de ser que nos enternece pela ânsia de felicidade e de esperança ,que nos ensina a viver.

E a reconheço e a vejo voar muito acima da chuva. Voar, voar, voar...

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, contista, escritora e poeta no sul da Bahia.