A chuva e a dor da Faxineira de Ilusões
Lá está Ela!
Olhando para nenhum lugar. Com o pensamento como se estivesse querendo pedir emprestada a vassoura mágica que se transforma em sonhos e até num indômito corcel...
Chuva fina, mas com uma temperatura amena.
Fim de tarde, início de noite mudando de humor.
A praça parece que entristeceu com o cinza tomando lugar do entardecer que encanta,não só pelo alvoroço das maritacas que sobrevoam, descansam e repousam nas árvores daquele lugar, mas pela beleza da hora que sempre nos chama à reflexão.
Lá está Ela! A Faxineira de Ilusões!
De longe observo que ela tem o olhar vago e parece desamparada.
O que pensa? Para onde viaja mesmo parada no mesmo lugar?
Chuva fininha que parece acompanhar a tristeza que vejo em seus olhos.
Ela, a Faxineira de Ilusões, a Varredora de Sonhos!
O que a aflige?
Ela faz um gesto que parece estar com frio. Mas não só o frio que o corpo sente. O frio da silenciosa alma que atenta para a vida e para a morte... O frio que aguarda o sim ou o não...
O que tem a Faxineira que não termina o seu rotineiro labor?
Lá está Ela, como o dia percorrendo o seu caminho e a solidão insistindo em permanecer, mas uma solidão calma, sem rumores nem lamentos...Solidão em seu estado natural porque há uma mensagem de alerta no ar. A solidão que todos temem um dia. Aquela do sim ou do não...
E a chuva insistente e benfazeja vai seguindo a sua trajetória.Chuva fininha, mas anunciando que pode ser a transformação em problemas diversos para a aldeia.
Chuva que pede silêncio e apreensão.
Temo aproximar-me Dela tamanha abstracão em seu espírito em repouso sob olhos em permanente vigília...
A chuva pode dar as mãos ao terreno , que é frágil! A minha aldeia fica em vigília.
Pessoas correm, algumas buscam abrigo nas portas, nas ruelas, nos espaços cobertos.
Mas Ela , a Faxineira,permanece no mesmo lugar.
O que ela está pensando para deixar a sua tarefa de ser esperança para todos nós?
Temo questionar a sua presença estática até que Ela me vê e se aproxima de mim.
Esá cansada.. sente frio... Como se lesse meus pensamentos me diz que quer voltar para polir as estrelas e espanar para bem longe a angústia que está no ar.
Seu pensamento está voltado para um lugar onde tudo é silêncio e alguns olhos observam e tentam descobrir, perscrutar, inquirir o que será que está errado.
Onde olhos e mãos humanos que, por horas, são divinizados pelo trabalho que esolheram, colocando o conhecimento e a solidariedade em nome da vida, estão agindo.
Olho para Ela e a vejo diferente.
Com a tristeza já vista em momentos de dor e saudades. Ela, neste momento, uma Faxineira com as mãos maceradas de ausências, toda encharcada pela chuva que se intensifica e pelas coisas tristes que a abatem. Uma silenciosa e tão explicativa imagem da apreensão do que poderá acontecer.
Ela, A Faxineira aturdida pelo pensamento que está longe, em outro lugar, que aguarda o sim ou o não...
A chuva permanece lavando as ruas, muitas, sujas pelo desrespeito e falta de educação de quem mora na minha aldeia...
A chuva que sempre entristece quem está incansável na espera nos faz buscar abrigo. E conversamos e hoje constato que a mulher- que limpa sonhos e aspira recordações para não perecerem, está triste!
E como se ela aguardasse por isso a aconselho a sonhar e voar para outros céus buscando alimento anímico e restabelecimento de emoções.
Peço que ela vá para além de tudo que a esteja maltratando, que vá para o firmamento onde pode sorrir com os Cruzeiros, acariciar as Ursas, passear com outras luminárias que lhe darão caminhos limpos para arejar seus pensamentos.
Peço-lhe que viaje até o Zodíaco do Extremo Oriente, colha punhados de estrelas e nuvens benfazejas iluminando aqueles olhos e mãos humanos que, no lugar que é silêncio, se tornam divinizados pela escolha de salvar vidas, investigando, perscrutando, inquirindo o que está errado. Que pode nos dar o sim ou o não...
Agora a chuva permanece calma com temperatura amena.
Afastando o calor não dá mais frio nas gentes de minha aldeia. Nem Nela!
Como a utopia que alimenta a minha amiga veja um lampejo de alegria e esperança nos seus olhos e a escuta falar: Tem razão, não busco encantos, reviro os lamentos e espano os lampejos de dor? Não tenho a capacidade de sonhar? Sou uma Faxineira de Ilusões!
E a reencontro com a sua forma de ser que nos enternece pela ânsia de felicidade e de esperança ,que nos ensina a viver.
E a reconheço e a vejo voar muito acima da chuva. Voar, voar, voar...
A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, contista, escritora e poeta no sul da Bahia.