A faxineira de Ilusões, as palavras e as nuvens

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Porque precisava acalmar o coração de perdas resguardei o rotineiro labor de sobrevoar espaços utópicos e varrer sonhos  sorrateiros  para respirar o cantinho que me permite conviver com as quimeras paridas pelos pensamentos , companheiros de tantas escrituras que deixam a chama de minha essência acesa sempre a buscar mais.

 

Porque retornei à minha aldeia querendo que ela se reconstrua em seus bens e homens públicos, eu, Faxineira e Cuidadora de Ilusões e Sonhos Válidos andei pelas ruas, revi pessoas e nelas reencontrando lembranças, ouvindo opiniões, refazendo emoções, embalando memórias e  gravando as palavras que ouvi chorando por minha terra que grita pedindo ajuda e por alguns aldeões que estão com suas memórias dispersas...

 

Porque retornei à minha aldeia que tanto amo precisei subir uma colina e, de lá do alto, amenizar minhas dores causadas pelos erros que cometi ao depositar como prioridades as esperanças que enxerguei em alguns seres que não existiam e modificaram ( ou assumiram seus pensamentos?) .Voltei à colina insistindo em  buscar sonhos que deixei adormecidos para não perecer.

Mas reconstrui os meus castelos anímicos porque ainda preciso ver algumas construções.

Voltei por causa disso, continuar acreditando nas quimeras - embora ainda encontre quem as pise - porque a  nossa alma precisa  de alimentos.

 

Ando pelas ruas, pelos calçadões e intensifico a tristeza que está acompanhando meus pensamentos com a nítida sensação de melancolia e desespero.

Escuto e calo. Apenas Ouço.

Palavras também podem voar voar, voar , descansar e serem armazenadas nas nuvens para, depois, pousarem traduzidas de forma diferente e ou cobradas mais adiante.

É preciso cuidado com as palavras,pois as nuvens agora também possuem a qualidade de deixa-las perenes quando ultrapassam a interligação...

As palavras podem ser hóspedes da caixa de Pandora...

Fico atenta ao que ouço.

 

Porque retornei à minha aldeia  procurei a sua memória, as minhas  lembranças de infante, minhas conservadas amizades, minhas saudades de quem não mais posso ouvir.

Busquei pessoas queridas e reencontrei  a drumoniana “Mulher que Espia pela Janela”  que explica tão bem  a sua tristeza  no canto que explica  os lamentos  e as vontades de porvir dos aldeões de minha amada terra.

 

Vejo ,de longe, a outra Mulher que olha para o mar...

Por que tanta dor, meu Deus?

Por que tantas lacunas na alma de tantos seres que busco com o  olhar e passam pelos calçadões?

 

Porque retornei à minha aldeia busco respostas...

A “Mulher que Espia pela janela” explica à minha incredulidade suas maceradas angústias e seus desejos de, também voar, ampliar seus horizontes de visão, atravessar nuvens, sobrevoar céus distantes, pousar em montanhas apaziguadoras, exercendo a poderosa função de uma águia e renascer como a vitoriosa Fênix. O mesmo desejo de soerguimento para a nossa aldeia...

Silente, eu, Faxineira ,ouço e sinto a dimensão daquela dor porque ela representa muitas e muitas dores.

 

Expresso meu espanto pela escancarada expressão daquela Mulher que, como personagem do poeta querido, calada e impotente, espia a vida pela janela, sem vontades, sem poder de ação, sem ação para falar numa opcional  prisão áurea que a acorrenta  com elos que ,com ela, conversam para não ficar sozinha.

Calar para não morrer.

Trancar-se para não chorar.

Fugir pelo que poderá ver será a solução? Questiono ao ser drumonniano.

 

Quero limpar tantas sujeiras das ruas e de ações que deturpam!

Aspirar tantos desenganos,  aspergir água nas decepções  pelas palavras esquecidas e modificadas com o tempo e as oportunidades, nos desencantos  pelas canetas que assinam e atestam a transferência de decepcionantes seres e  letras que dançam conforme as pretensões pessoais que obedecem ao cerrado cantão distante   de  minha aldeia...

 

Porque retornei à minha  terra, preciso alimentar a alma tão cheia de memórias que precisam ser reativadas e servirem de guias para o agora.

Preciso acreditar que a minha aldeia será abraçada por homens e mulheres que visualizem a  sua reconstrução e esqueçam do miúdo sentimento de oposição sem seriedade, que “deseja  sangue” em vez de belezas naturais renascidas.

É preciso cuidado com certas palavras...Elas agora abrigam a eternidade nas nuvens... !

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poetista, escritora e cronista