Desalento

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

 

Sempre aparece num esplendor de paz.

Fica calado, traz mensagens transformando pessoas e sempre deixa um perfume de sândalo no espaço ocupado.

Parece feliz e insinua que a felicidade é obrigação dos homens...

Sempre transmite  otimismo em caso de desamor.

Chega de mansinho querendo ouvir e, depois de muitas horas de calmaria, fala, pausadamente, o seu pensamento de puro amor.                                           

Sempre aparece em e para mim como uma incógnita.

 

De onde veio? Quem é em sua essência? Por que desarruma meu canto pacificado e me transforma em rebeldia que gera  mudanças?

Sempre aparece num esplendor de paz.

Vibra com as aves porque são liberdade. Sorri com as crianças, pois simbolizam perfeição e inocência . 

Toda manhã ele pára no rio , banha-se num encontro total homem/natureza, numa espécie de diálogo silencioso de paz e, muitas vezes, é encontrado num respirar lento, leveza nos gestos, sublime expressão. É quando mais  parece com um deus, pois é etéreo...

Tem um pouco de Ícaro, o filho de Dédalo mas que foge do sol e voa, voa e muitas vezes alça vôos altos semelhantes ao de Fernão, parecendo calçar sandálias de Perseu.

Nesses momentos,paradoxalmente, como um ser alado,atinge a plenitude humana.

 

Sempre aparece num esplendor de paz.

 

Tenho a impressão que ele não é totalmente daqui...

Seu semblante tem algo de estranho que sempre me induz a questionamentos e respeito.É uma sensação consciente de não poder tocá-lo,mesmo sabendo-o verdadeiro.

É uma dualidade de sentimentos, pois sei  o que ele tem, o que diz, porém desconheço o que ele realmente é, pois foge de minh’alma  e se esconde no meu coração.

 

Tenho a impressão que ele não é totalmente daqui...

Vejo-o, não posso tocá-lo, pois se esvai de meu olhar em momentos inesperados, ficando apenas a certeza de sua presença em mim na solidão.

É quando tenho a nítida impressão de que sou sonho e preciso da pacificação de ânimos para apascentar a minha alma incontida.

 

Sempre aparece num esplendor de paz.

E chega até mim doída pela ausência de quem poderia ainda estar entre nós, acalmando minhas lembranças que me deixam mais triste.

Tenho a impressão que ele não é totalmente daqui...

Algo de misterioso atrai todos que convivem com as suas palavras e atitudes. Como acontece comigo. Como acontece com tantos que conheço que possuem um deles em suas vidas.

 

Tenho a impressão que ele não é totalmente daqui...

Esta certeza ficou estancada em mim quando um dia presenciei tristeza em seu semblante. Nunca vi em  outro momento qualquer  um olhar tão límpido, tão transparente e tão cheio de despedidas. Contido.

Sofrido.

Explicado através do silêncio.

Momento dolorido e doído, pois acredito que seu rosto translúcido acompanhava o meu pensamento.

Esta certeza paralisou a minha respiração, bagunçou totalmente o meu pensamento e deixou a Faxineira de Ilusões que existe dentro de mim, indefesa diante de mais um alerta: teremos sempre perdas porque somos findáveis...

Foi nesse dia que uma saudade antecipada invadiu o meu ser, porque  comecei a temer por sua partida de e em mim, num rastro iluminado rompendo os céus e deixando o meu ser em aflição, já transformando-se em pensamento e saudade, com vontade de realizar e reencontrar.

Temi um dia por sua partida e sempre soube que um dia ele voaria para longe e me deixaria comigo mesma amparada pelas lições que me deixou para sobreviver.

Guardo comigo esse momento. E choro de solidão porque aconteceu o que eu pressenti. Perdemos seres, quereres, afetividades. Somos findáveis!

Após a sua partida algumas vezes conversamos e tinha a certeza que recebia sua energia. Então  voltava a águas tranquilas e cristalinas do meu coração porque a sua finalidade dentro de mim era fortalecer o meu ser diante de perdas...

Sei quando ele não me ouve,pois, ao atingir uma dimensão bem superior à minha, descansa numa Estrela longínqua e percorre mundos distantes do meu, pois tem outros quereres para amar.

Hoje precisaria dele. E entendi que ele sempre aparecia diante de mim aplicando-me paz envolto de luz e fortaleceu a minha essência. Hoje precisaria dele visualizando a sua imagem como sempre apareceu para mim, Porque, infantilmente, o queria paara ouvir-me, para ser silêncio e companhia, sem emitir palavras, mas ao meu lado.

Precisaria dele, sim, porque momentos aparecem para questionarmos  as dores, para aplacarmos as ausências que não nos permitiram ser diferentes, para comprovar que temos a hora de adormecer e partir e agora eu precisaria dele, sim.

 

Hoje sei que não é totalmente daqui...

Veio como mensageiro de um espaço sideral tão longe do meu, como um Alguém que ultrapassa barreiras do tempo e chegou à virtualidade dos meus sonhos acompanhando os meus desejos ,talvez, de uma lua ou de um ser qualquer, que acredita na ludicidade do amor e no fortalecimento de laços afetivos que nos chegam por sangue ou pela doação.

 

Hoje sei que não é totalmente daqui...

Teve a missão natural de amparar minhas quimeras, acomodar minhas ansiedades, acalentar minhas vontades nunca ditas e de estar presente mesmo quando a ausência se torna latente e pulsante.

 

Hoje sei quem é esse ser etéreo que permanece em mim, mesmo quando retorna para terras distantes e me fortalece sempre.

Infantilmente temo perdê-lo, pois habita em minh’a alma,  é  sobrevivência de minha essência  que já está acostumada com a sua expressão frágil ,sublime e tão forte ao mesmo tempo e me fará sofrimento quando não mais estiver entre a minha vida e o meu sonho, pois é o meu anjo de paz.

A autora Ana Virgínia Santiago é escritora, cronista, poeta e jornalista no sul da Bahia.