Divagando

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

 

O sol  que chegou à minha aldeia também aquieta os tremores na alma da Mulher que se faz ouvir e  é minha amiga.

O que tem ela que olha para o infinito com ânsias de vôos longos e, ternamente, começa a falar como se estivesse num monólogo intenso e me faz aquietar e prender a respiração?

É manhã de um dia tão lindo que diverge com o que vemos nas ruas, nas praças, nos lugares tão familiares às nossas vidas.

A Mulher que  me ouve e se faz escutar abstrai do olhar pelas pessoas que por nós passam...

Atento para o que fala, escutando-a.

Então, a ouço sussurrar que vive há tempos mais na fantasia do que na realidade, que dorme com os seus sonhos não-concretizados, acorda com eles, dando-lhes as mãos durante todo o dia para não sucumbir, até chegar a noite e tornar a dormir, por eles acalentada...

 

Vi a Mulher sorrir quando falou do tempo que acreditava na comunhão de atitudes, na confiança de seres afins, nas palavras que acreditou porque tinha a esperança na alma, enxergando-a  perpetuada em frestas iluminadas, focos de luzes que ainda a deixam em pé.

Ela é como tantas outras vulneráveis vidas, que seguem o destino, contrariadas e expostas à humilhação dos desejos reprimidos, dos gestos bloqueados, da anulação como seres que amam e anseiam, que sentem saudade do que não tiveram, mas sabem que existe.

Ah! A vida, Mulher que olha para o infinito!

Tantas mudanças, tantos desacertos e incompreensões. Como  conhecemos pessoas assim.

Vidas que estão fisicamente num lugar  e o pensamento voa para outro, bem longe, a buscar o que perdeu sem ter conhecido.

Vidas que sentem prazer em dormir para esquecer - pelo sono - o que lhes angustiam e gritam no recôndito de suas essências: Vida, quero vida plena!

 O sol  que chegou à minha aldeia também aquieta os tremores na alma da Mulher que me ouve e  é minha amiga.

Ela, que  eu enxergava sempre distante, é  como muitas mulheres que conhecemos e que passam pela mesma angústia dos temores e questionamentos porque não são leigas...

Ela é como muitas mulheres que vivem em completa solidão e bloqueiam suas emoções e seus desejos por terem gritos contidos e acorrentados à vida que levam...

Ah! Os desejos reprimidos, as fomes de tantas fomes, os quereres sonhados, Mulher que olha para o infinito!

Eu escuto a Mulher que sente solidão olhar para o infinito e falar (e sorrio,um esgar?) não sabendo que estava acalentando outros sonhos rasgados, emoções destruídas, desejos dizimados, quereres amordaçados...

Eu ouço a Mulher que olha para o mar e vomita para o infinito todas as dores de um universo  complexo,muitas vezes incompreendido pela falta de visão e sensibilidade...

Vejo a expressão que dói, a falta que é sentida, os toques que não são presentes, as mágoas que somatizam dores diversas na fala da Mulher que sente a solidão e não é infeliz

 

Sou Faxineira! Limpo sonhos e aspiro recordações...Varro todos os sentimentos, transformando-os em sublimes companheiros que dão sentido ao fragmentado coração. Incansáveis na espera, modificam-se em emoções, doces sonhos e carinhosos afetos, sempre lembrados  que não podem sair da alma desarrumando a realidade.

Sou uma Varredora de sonhos!  Arrasto os insuportáveis flagelos afetivos e os   farelos de ilusões sob os tapetes, para não sujarem a hipocrisia do mundo.

Desfaço as farpas da fantasia! Busco encantos, reviro os lamentos e espano os lampejos de dor,  pois sou uma Faxineira de Ilusões. Percorro os espaços que me doaram para acomodar o meu universo, mesmo estando todos ocupados. Apenas posso desafiar  harmonia,  assentar recados, desinfetar traições...

Existo das poeiras espalhadas que me dão para limpar, sobrevivendo dos destroços emocionais cabíveis à minha vida de Faxineira ...

Elimino vontades e esfrego visões enferrujadas dos desejos de Mulher –que- anseia para não pertencer aos seres alados que pulsam e entendem as estrelas

O sol  que chegou à minha aldeia também aquieta os tremores na alma da Mulher que me ouve, se faz ouvir  e  é minha amiga. Juntas atentamos para a vida. Somos sobreviventes dos sonhos, alicerçamos couraças para que eles não pereçam pensando em nossa aldeia e acreditando que ela será melhor cuidada.

Não sou uma Varredora de sonhos, não faxino ilusões? Limpando-as e escondendo-as no canto de minha agonia para não perecer busco respostas para  minhas inquietações no que ouço  e assimilo da Mulher que enxerga distante...

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e escritora.